Aos quarenta e três anos de idade, alguns cursos acadêmicos e relativa estabilidade profissional, percebo em mim alguma dificuldade em deglutir atitudes de racismo no labor quotidiano. O fato de obedecer à ética miliciana me impede de ser mais incisivo e direto no caso a ser relatado, pois, ainda vivemos - por detrás das hostes militares - restrições explícitas nos modos de expressão. Certamente contrario aqui preceitos constitucionais (pétreos) ligados à liberdade de expressão, mas prefiro o combate utilizando as armas da consciência reflexiva aos desgastados (porém necessários) discursos sobre discriminação racial no Brasil.
O racismo não pode ser visto apenas como mero "ódio aos indivíduos de referência étnico-racial diversa da maioria" mas, de acordo com Giralda Seyferth, é traduzido como o atual refreamento da ascensão sócio-econômica de negros em contraposição à manutenção do status quo da elite branca deste país. Muito se tem feito para combater este ethós tão amplamente arraigado e, por isso, as atitudes racistas tem apresentados sofisticados modos de atuação social. Em busca de maior eficiência, os "donos do poder" - clara alusão a Raimundo Faoro - buscam reinventar formas polissêmicas de estabelecimento da ligne maginot* entre negros e brancos. Tais atitudes separatistas são tão sutis que, se questionadas pelas vítimas (negros), podem fazer emergir justificativas variadas que mimetizam o real problema.
O mito da democracia racial - instaurado no Brasil por volta dos anos trinta - além dos parcos exemplos de ascensão social dos negros brasileiros, convida o senso comum ao comodismo racional diante do problema. A ideia de que todos nós somos iguais e que o país tornou-se um imenso palco de múltiplas possibilidades de crescimento material, embotou nossa capacidade crítica. Assim, qualquer constatação racista é imediatamente refletida como mero acessório ilusionista daquele (negro) que alega. Em outras palavras, os mecanismos sectários que orientam o racismo no Brasil são sempre acompanhados de extrema ambiguidade semântica, o que dificulta - e muito - o combate ideológico a esta secular e odiosa prática nacional.
No caso em específico, o racismo veio travestido (ou melhor, acompanhado) da regulamentação militar que separa os indivíduos, inclusive, espacialmente. Mas, se levarmos em consideração a ausência militares negros nos altos cargos de comando das Forças Armadas - e a dificuldade das autoridades com a minha presença - podemos inferir que o racismo ainda é um tabu a ser vencido pelos habitantes do nosso país. O importante é pensarmos que práticas racistas acontecem todos os dias e que a população negra em franco processo de ascensão social sente de forma mais eficaz os reflexos do refreamento social por parte da elite branca. Alertar para a existência desta (sutil) prática nefasta e propor novos modos de enfrentamento é tarefa para todos nós.
Tenho andado ás voltas com o novo livro do Karnal - Todos Contra Todos: o ódio nosso de cada dia. Sua leitura tem sido proveitosa para compreender as várias instâncias do racismo no Brasil e a consequente capacidade de mimetismo simbólico. Assim como Seyferth, Karnal compreende que o racismo atinge muito mais (ou tão somente) aqueles indivíduos que tentam circular fora da rota previamente traçada pelas elites brasileiras. Não odiamos o negro que cumpre fielmente o script de subalternidade previsto pela sociedade. Mas, incomoda enxergar o negro - outrora escravo e submisso - caminhando a passos largos à igualdade sócio-econômica. Por isso as atitudes racistas nesta parte do planeta não tenderão a desaparecer. Pelo contrário, quanto maior o processo de ascensão das parcelas negras da sociedade, maior será o recrudescimento da operessão e discriminação.
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