FUI VÍTIMA DE RACISMO...

Por mais uma vez fui vítima de racismo. O "infeliz" acontecimento se deu há algumas horas atrás... mas continuo ainda com muita raiva. Então preferi escrever emprenhado por este sentimento como forma de purgá-lo. Aí vai...


No ano de 1999 fui impedido de entrar numa agência de banco na Pituba, sob a alegação da "superlotação" local. Tal ato me fez escrever um artigo para o jornal A Tarde intitulado "Apartheid Disfarçado". A partir daí fui entrevistado e saí na contracapa do periódico relatando o fato. Achei que esta ação seria suficiente para contribuir para o combate a esta doença que ainda povoa o imaginário brasileiro.

Nos últimos anos, fui percebendo que divulgar atos de racismo nos veículos de comunicação não bastava para que os autores pudessem compreender a gravidade dos seus atos e as vítimas compensassem todo sentimento de horror, humilhação e impotência que sentem quando são julgadas apenas (e a partir...) da cor da pele.

Com frequência assombrosa percebo - através de experiências pessoais e relatos de outros companheiros - que atitudes "racistas" continuam habitando o quotidiano dos moradores deste país. Migramos das formas mais explícitas de racismo (como aquela relacionada ao Sr. Ministro do STF Joaquim Barbosa, chamado por um parlamentar de "moreninho"), para a esfera do contido no que está "politicamente correto". Justificativas como: "não sabia quem você era" ou "eu não tive a intenção de..." em nada contribuem para amenizar o dano causado à vítima de racismo.

As "confusões" quotidianas (ou, na linguagem jurídica, "erros de pessoa") envolvendo o cidadão negro não podem estar próximas aos equívocos motivados pelo turbilhão de informações, compromissos, preocupações e problemas que caracterizam o modus vivendi moderno. Tais equívocos racistas estão sempre acompanhados de um componente cultural... histórico... subliminar... que habita o imaginário de todos: a idéia da incapacidade do negro de ascender socialmente. Acreditamos - pela frequencia com que os negros são marginalizados - que o cidadão negro possui um "lugar" definido na sociedade, soando como "alienígena" a sua presença em outros espaços sociais. Por exemplo, se olhamos para um negro dirigindo um carro de luxo pelas ruas da cidade, usando terno e gravata, imediatamento somos convidados a imaginá-lo primeiramente como motorista de alguém (branco, de preferência...). Nos surpreendemos quando ocorre a não correspondência entre o que "pensamos" e a realidade. Esta talvez seja a mais comum e hodierna forma de racismo...

Igualmente espúrio é o pensamento de que determinados "espaços estatais" são construídos para atender a parcela negra da nossa população. De acordo com alguns operadores de tais espaços, os hospícios (mesmo aqueles com uma aparência moderna...) e as prisões seriam, por excelência, espaços sociais "destinados aos negros" simplesmente pelo fato de um número grande de nossos irmãos "usarem" tais serviços. A imagem que associa o negro ao hospício ou à prisão é quase imediata. Isto tem causado diversas incongruências no atendimento ao negro em tais espaços por entender que este possuiria apenas uma única via de acesso a tais lugares. Há algumas horas, fui confundido e "tratado" como dependente e usuário do CAPES, pelo simples motivo de estar lá e ser negro...

O racismo atualmente está adequado ao mundo do "politicamente correto". Tal prática deixou de ser explicitada - pelo menos, com frequência - e passou para a esfera do disfarce. A prática racista está sempre encoberta por uma segunda estória... o praticante acaba por ter sempre á mão uma "justificativa plausível e bem arrumada" para se livrar da acusação de racista. Aliás, desconheço aqui em Salvador (e nas minhas andanças pelo restante do país...) quem se autodenomine racista! Quando inquiridas, as pessoas constroem verdadeiros discursos em prol da igualdade racial... ressaltam a democracia brasileira e desviam sempre os nossos problemas para o componente "social", negando todo teor etnico-racial na construção do nosso país...

Mas sempre faço esta segunda pergunta, quando me deparo com tais "discursos de ocasião": e se... o filho, filha, pai, mãe ou parente mais próximo do interlocutor (que não se considera racista!) se casasse com um negro... qual seria a postura tomada? Neste momento percebo, na maioria dos casos, um mal estar no semblante do interlocutor que não consegue escondê-lo do seu maior medo...

Assim, torno-me aqui mensageiro de mais uma notícia de racismo ocorrida em nossa Roma Negra. Só que desta vez preciso buscar alternativas eficazes e efetivas de combate a esta doença crônica em nosso meio social.

Conto aqui com a colaboração dos meus amigos...

Bom dia.


Silvio.

CONVERSATION

3 comentários:

  1. Preconceitos Sutis no dia a dia
    Alexey Dodsworth

    Eram 7 horas da noite, horário de pico de uma tradicional academia paulistana de classe média-alta. Eu corria na esteira e - repentinamente, não sem susto - dei-me conta de algo que não tinha percebido antes: a absoluta ausência de pessoas de cor negra na academia. A situação não me chamaria a atenção se eu estivesse malhando na Dinamarca, mas considerando que eu a) estava no Brasil e b) me encontrava numa cidade de pessoas de todas as cores, achei aquilo no mínimo inusitado. Nunca tinha me dado conta de tal coisa, apesar de malhar naquele lugar há meses. E, de repente, fez-se a luz: não havia negros no local. Nem um pra contar história.

    Meditativo, ainda que numa velocidade de 8,5 km/h, pus-me a pensar nas possíveis razões da ausência de pessoas negras em minha academia. Teriam elas menos dinheiro para poder gastar num lugar tão caro? À parte os faxineiros de pele escura, todos os presentes naquele lugar tinham a pele branca ou, no máximo, eram morenos claros.

    O IBGE atesta que pessoas negras em geral ganham cerca de 40% menos do que pessoas de cor branca. A desigualdade financeira talvez explicasse aquela incômoda ausência. Talvez estivessem malhando numa academia mais barata...

    Mas eis que, como que para contradizer minha percepção, um indivíduo negro adentrou o ambiente. Aleluia, pensei. Pelo menos um negro tinha dinheiro pra pagar aquela academia - o que não mudava muita coisa, já que ele era claramente exceção. Fiquei curioso e me pus a observá-lo: bem vestido, extrovertido, tinha vários amigos no ambiente, que o saudaram com vigor quando ele chegou. Nenhum parecia sequer vagamente racista. Pensei: talvez tenham razão, o preconceito é de classe, o preconceito é contra pobres (não que isso seja melhor, aliás).

    Entretanto, um fato específico desmentiu completamente esta teoria de preconceito focado em classes sociais. Não sem espanto, percebi que, quando o sujeito negro (de classe média alta, pelo que podia se aventar de suas roupas) utilizava um aparelho, a pessoa que vinha depois limpava o aparelho com um pano com álcool. Este seria o procedimento correto para todas as vezes que alguém utilizasse um aparelho, e mais correto ainda seria se a própria pessoa que acabou de usar limpasse a máquina. Mas ali havia uma clara exceção: ninguém se preocupava em limpar os aparelhos quando qualquer outra pessoa os usava. Só quem merecia a "limpeza" era o negro. Quer dizer, no suor alheio podemos nos refastelar, contanto que não seja o suor do negão. E, notem bem, ele nem suava! A academia, cara que é, tem um potente ar condicionado.

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  2. Preconceitos Sutis no dia a dia
    Alexey Dodsworth

    PRECONCEITO É COISA APRENDIDA

    A cena foi, para mim, um tapa na cara. O mais impressionante é que ninguém parecia estar fazendo aquilo conscientemente. Nem o próprio rapaz negro parecia se dar conta de que os aparelhos eram limpos com álcool apenas depois que ele os usava. E quem fazia isso eram seus próprios amigos. Depois de ver a coisa se repetir por mais de trinta vezes, me dei por vencido: não era paranoia minha. Os aparelhos realmente só eram higienizados por causa do negro.

    Ninguém nasce racista, preconceito é coisa aprendida. Ainda que se possa argumentar que tendemos a naturalmente estranhar pessoas que apresentem características diferentes das nossas, isso não justifica a fantasia - no caso, aparentemente inconsciente - de que uma pessoa negra seja "mais suja" e demande "mais higiene" do que outras pessoas. Isso é coisa incutida desde a mais tenra infância.

    Venho de Salvador. Antes de 1988 - quando o racismo foi pontualmente criminalizado - perdi a conta de quantas vezes vi pessoas negras serem alvo de termos pejorativos. Um dos mais comuns era "preto fedido". Felizmente, não vejo mais este tipo de coisa sendo dita, justamente porque ficou claro que se referir assim a alguém é crime. Mas o fato de o racismo ter sido pontualmente criminalizado não elimina o preconceito. No fundo, muita gente ainda acha que negros são inferiores, ou potencialmente criminosos, apenas recalcam o que pensam para não serem processadas. Pior ainda é quando este racismo é inconsciente. Duvido, por exemplo, que as pessoas da minha academia se vejam como racistas. Seus movimentos "higienizadores" eram automáticos, inconscientes. Eu mesmo não teria me dado conta da coisa, se não estivesse muito atento e refletindo sobre tais questões.

    PAPEL EDUCATIVO DA CRIMINALIZAÇÃO

    O caminho dos Direitos Humanos não se alcança através de criminalizações, e sim da educação. Mas uma coisa não exclui a outra, e concebo perfeitamente o papel educativo de uma criminalização. Se pontuamos que uma coisa é crime, isso fica mais claro. E sou testemunha de que a criminalização do racismo pode até não ter acabado com o racismo, mas diminuiu sua intensidade.

    Evidentemente, não é possível criminalizar a atitude dos camaradas da academia. Eles mesmos sequer pareciam ter consciência do que faziam. Nem o próprio rapaz negro se tocava do que estava ocorrendo. E é em situações como esta que o Direito tem pouco a fazer, mas a Filosofia tem muito. O ato de pensar, de pensar com rigor e disciplina pode fazer com que nos demos conta de procedimentos repetitivos e programações existentes sobre as quais nunca nos demos conta.

    E por isso mesmo que uma educação filosófica se faz tão necessária desde cedo. Para apagar os vestígios deste racismo remanescente.

    Para nos livrar da escravidão cujos grilhões acorrentam todos nós, independentemente da cor de nossas peles: a escravidão do preconceito repetido por séculos e séculos. Podemos e devemos ser maiores do que isso e dizer "não" a este insidioso senhor de engenho que habita os recônditos de nossas mentes.

    http://www.personare.com.br/revista/identidade/materia/1363/preconceitos-sutis-no-dia-a-dia

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  3. Amigo, peço a sua autorização para levar o seu texto aos meus alunos, como ponto de partida para o trabalho sobre preconceito.Como na minha sala somos todos vítimas de algum preconceito( incluindo eu), achei pertinente iniciar os relatos de caso( eles não se identificam como vítimas) com o seu.Essa é a minha forma de ajudar, tornando-os mais conscientes através das reflexões em grupo.A ferida precisa ser curada de dentro para fora e, necessário se faz retirar a casca e vê-la sangrar muitas vezes, até que a cura de faça.Apesar de nesse momento a dor ser muito particular sua, eu sinto muito por mim,sinto muito por todos nós...

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