Ao ler notícia veiculada em mídia local acerca de um pai de santo preso e processado por - dentre outros "delitos" - prática do curandeirismo, pergunto-me o quanto ainda convivemos com arcabouços fantasmagóricos... modelos de pensamento gestados num contexto social que repousa no limiar entre os séculos XIX e XX. Para ser mais preciso, a prática do "curandeirismo" remonta a construção do Código Penal de 1890 que assegurava, sobretudo, a supremacia de um único saber curativo... científico... ocidentalizante... em detrimento das demais formas de curar existentes no Brasil da época.
Ao longo da minha limitada capacidade de compreensão de fenômenos socio-jurídicos como o citado acima, estabeleço a possibilidade de compreender mais facilmento o contexto do século XIX (e início do século posterior...) em que o saber médico necessitava sobrepor-se num país ainda mal formatado politicamente - e numa nação que ressentia-se da possibilidade de inserção do descendente africano. Aqueles ainda eram tempos de total reelaboração social e política brasileira... reelaboração que levava o país a empreender a incompreensão e a intolerância de fenômenos religiosos diversos do catolicismo ocidental...
O que me causa extrema dificuldade é compreender que ainda exista no arcabouço jurídico brasileiro (e estamos falando em 2011!) o delito tipificado como "curandeirismo". É como se estivéssemos ainda alheios às transformações sociais... políticas (e também no âmbito da ciência...) que ocorreram no país ao longo de mais de um século. Esquecemos a árdua luta de reconhecimento da autonomia cultural dos povos indígenas, dos quilombos e do povo-de-candomblé? Esquecemos do solene respeito prometido aos saberes minoritários presente no art. 5º da nossa Constituição? E o que fazer com a noção levi-straussiana do saber minoritário como uma forma igualmente válida de conhecimento carregada de simbolismos?
Entender como "curandeirismo" os saberes milenares que povoam o quotidiano do povo-de-santo na Bahia, é retroceder à época em que o país não havia ainda construído os princípios de igualdade e tolerância que permeiam as relações sociais na atualidade. É compreender como verdeiro e exclusivo o conhecimento médico oficial... aquele que emana dos "doutores"... que provém dos hospitais... Somente quem já passou pela feliz experiência de tomar um banho de folhas, de ser "rezado" ou de ser curado com chá de ervas é que pode avaliar a riqueza medicinal contida nos ensinamentos de Ossaim...
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Quem sou eu

- Silvio Rosario
- ... apenas um rapaz latino americano sem dinheiro no banco...
Os artifícios e as artimanhas da mídia por exclusão ultrapassam entendimentos, extrapolam períodos históricos, violentam subjetividades...
ResponderExcluirReduzir o outro através da sua simplificação preconceituosa é da dimensão da resistência em aceitá-lo ou compreendê-lo, é da intenção de limitar sua expressão e existência.
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