Uma Homenagem a Zélia...

... A conhecia pouco. Não li muitos dos seus livros. Na verdade, nunca fui leitor assíduo de romances. "Prefiro os livros técnicos", repetia isso com orgulho... bobagem a minha! Um dos poucos contatos que tive com a sua literatura, foi com o romance (posteriormente adaptado à serie de TV) intitulado "Anarquistas, graças a Deus". O livro nos conta, de forma muito singular, a chegada dos imigrantes estrangeiros ao Brasil e a propagação do ideário anarquista por cá.

A sua origem imigrante, e a forma como o seriado foi se impondo a mim (graças ao Ney Latorraca!), me despertou curiosidade acerca da escritora. Afinal de contas, ela era esposa de Jorge Amado (esse eu conhecia!) e não era baiana...

Aos poucos, ao longo das suas aparições em público, a figura daquela senhora de pequena estatura... cabelos curtos... olhar doce e voz pausada, refletida... dona de um jeito peculiar de falar, foi me encantando. Estava ela sempre ao lado de Jorge Amado (o "amado" Jorge, como costumava dizer!), que parecia se entregar sempre aos cuidados da esposa...

A relação dos dois escritores me encantou... Era casamento... Era parceria... até o final da vida! Soube que Zélia iniciou a sua carreira de escritora, repassando os textos de Jorge... Sempre que podia falar de Jorge Amado, Zelia se preparava com um longo e leve suspiro, como quem cumpria um ritual. Falar do marido, para ela, parecia ser algo muito especial... Fiquei cada vez mais encantado e admirado por aquilo que via e ouvia...

Fiquei atraído pela história de amor entre Jorge Amado e Zélia Gattai. Não! pela história de amor entre Jorge e Zélia... Quis saber mais um pouco... Certamente por já ter sabido de outras semelhantes: Luís Carlos Prestes e Olga Benário... meus pais... Nestes tempos do consumismo e do descarte, testemunhar (mesmo que de longe!) a explicitação da cumplicidade entre duas pessoas é um privilégio.

Certo dia, um documentário acerca da produção literária de Jorge Amado me caiu às mãos. Nele, testemunhei Zélia relembrar fatos entre os dois que, se fossem fictícios, já seriam dignos de um belo romance...

Perdoem-me se não conseguir reproduzir fielmente os fatos...

... Lá pelos idos dos anos 30/40, quando Jorge Amado era uma figura proeminente no atividade Comunista no Brasil... beirando a clandestinidade... Numa reunião festiva, provavelmente ligada ao partido, Jorge Amado se interessou por uma jovem que estava por lá...

Sem saber como se aproximar (já havia pesquisado sobre a vida da moça!), pede ajuda ao companheiro Dorival Caymmi, que se encontrava com um violão animando a festa, e pede-lhe para cantar intencionalmente...

"Acontece que eu sou baiano,
acontece que ela não é...
Acontece que eu sou baiano,
acontece que ela não é...

Mas tem um requebrado pro lado,
minha Nossa Senhora,
meu Senhor São José...

Mas tem um requebrado pro lado,
minha nossa Senhora,
ninguém sabe o que é."

... E foi assim que se conheceram

Após isso, num outro momento, Jorge Amado (acompanhado por outro grande amigo, Pablo Neruda) decidiu presentear Zélia... Jorge, ao chamar um táxi, o traz cheio de flores... cravos! Parece ter sido as flores da vida de Zélia... Neruda nunca mais  se esqueceu de tão singular presente. Sempre que a encontrava, repetia...

"Comadre, os cravos da madrugada..."

... Sua ausência física nos deixará saudades...

Beijos,

Silvio

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